[SP] Estudantes da pós-graduação da USP publicam carta de repúdio à repressão e a aprovação das escolas cívico-militares na Alesp

Repercutimos Carta de repúdio dos Estudantes do Programa de Pós-graduação em educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)

CARTA DE REPÚDIO À TRUCULÊNCIA POLICIAL AOS ESTUDANTES NA ALESP

Os discentes da área de concentração Estado, Sociedade e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) condenam a ação policial violenta e repressiva aos estudantes e professores que se manifestavam contrários à aprovação da implementação das Escolas Cívico-Militares no estado de São Paulo.

              Desde a eleição do atual governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em 30 de outubro de 2022, temos assistido diversos ataques à população paulista. Lembremos que seu percurso ofensivo tem início já em sua primeira declaração. Afinal, em 17 de novembro, anunciou a intenção do aumento de seu próprio salário sob a justificativa da “necessidade” do aumento de salários para o alto escalão do funcionalismo público.

Lembremos também que em 10 de maio de 2023, Tarcísio de Freitas realizou uma entrevista ao programa Flow. Ali deixou claro os seus projetos futuros quanto à segurança pública, à educação e ao funcionalismo público. Na época, as Escolas Técnicas Estaduais (ETEC) e Faculdades de Tecnologia (FATEC) encontravam-se em greve. O que por sua vez permitiu com que o entrevistado aferisse algumas de suas considerações a respeito das Etec’s e das Fatec’s. Para ele, o Centro Paula Souza (CPS) “é um patrimônio que o estado de São Paulo tem […] é óbvio que a gente quer valorizar mais, o problema é que qual o cenário que a gente encontra: o pior possível porque é de um número de servidores públicos muito elevado, muito envelhecido e ganhando muito pouco e é muito grande, ou seja, qualquer aumentozinho que você dá, o impacto é gigantesco. […]”.

Embora reconhecesse que qualquer “aumentozinho” para servidores públicos acarretaria um gasto elevadíssimo, meses depois, em 12 de junho, aprovou o aumento de 20,2% para a Segurança Pública de São Paulo, o que significou em relação à inflação acumulada no período um aumento expressivo, já que o IPCA registrado na época foi de 4,65%.

              Em julho de 2023, foi deflagrada a chamada “Operação Escudo” devido à morte de um policial na região do Guarujá. Em decorrência disso, houve intensa ação policial em regiões periféricas da Baixada Santista, levando à morte 28 pessoas em apenas 40 dias. Sem contar que a “Operação Verão” na mesma região, no início deste ano, foi 60,7% mais letal que a operação anterior. Tarcísio traz, importado do Rio de Janeiro, o processo de aceleração do extermínio da juventude negra sob o pretexto de combate ao crime organizado.

              Retomando o ano de 2023, Tarcísio anunciou um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) estadual cujo objetivo foi a diminuição do gasto em educação, passando de 30% para 25%. Coincidentemente, dias depois, o Secretário da Educação Renato Feder, anunciou a recusa pelo uso do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em substituição à produção de materiais próprios, inclusive, justificando que os alunos poderiam imprimir esses materiais nas escolas. O mesmo secretário (conforme muitas reportagens posteriores demonstraram) é acionista de uma empresa de tecnologia, a Multilaser, que fechou contratos com a Secretaria da Educação do estado de São Paulo dias antes de Tarcísio assumir o cargo de governador.

              Mais uma vez, no famigerado programa Flow, Tarcísio anunciou sua intenção em criar escolas cívico-militares, dizendo que “os militares de reserva são convocados, entram como prestadores de tarefa por tempo determinado certo, então eles têm um valor adicional ao salário enquanto eles atuam o tempo certo, então àquilo não gera “calda” previdenciária […] e isto gera resultado na performance […] é muito barato, tudo depende da escala que você for adotar, pois você tem três, quatro [oficiais da reserva], afinal, quantos agentes de organização escolar você tem aqui?”. A medida de Tarcísio demonstrou um caminho oposto ao que o governo federal iniciou em 2023, ou seja, o processo de extinção das escolas cívico-militares. 

É relevante considerar que na declaração do Ministério da Educação (MEC), quanto ao processo de extinção dessas escolas, foram apresentados dados importantíssimos que devem ser analisados. Primeiro, conforme o MEC, em julho de 2023, havia 202 escolas no Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), totalizando cerca de 120 mil alunos. Dessas escolas, cerca de 102 alocam a maioria de seus recursos para pagamento de militares, o que totaliza quase 98 milhões. O MEC sinalizou que “os investimentos robustos para manter [militares da reserva] nas escolas públicas de ensino fundamental e médio em atividades de assessoria e suporte parecem debochar da escassez de recursos que as redes de ensino conseguem mobilizar para o pagamento de seu próprio pessoal”. Tal custo pode ser verificado quando, em 2020, mais da metade do orçamento para este formato de escola foi destinado a cerca de mil oficiais da reserva, que receberam 30% de gratificação por atuarem como gestores destas instituições. O valor total foi de 28 milhões somente para pagamento destes oficiais, ou seja, mais da metade dos 54 milhões destinados a estas unidades.

Para piorar a situação, em abril deste ano, Tarcísio anunciou o leilão da gestão de 33 escolas estaduais, liberando R$ 1,6 bilhão de reais do BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social) para a implementação e construção dessas escolas pela iniciativa privada, além de que o tempo de concessão será de 25 anos.

              Pontuamos que seus ataques declarados à população paulista não se encerram aí. E, tampouco, conseguimos expressar os absurdos de um projeto de governo pautado na destruição dos bens públicos, no uso da violência e no sistemático controle do processo de trabalho dos profissionais da educação. Em suma, suas ações desnudam o que está por trás de tudo isso: a concentração de capital. Há de se destacar que para os professores que ainda possuem aulas atribuídas, resta-lhes a reprodução e transmissão de slides ao uso obrigatório de 17 aplicativos, ao preenchimento obrigatório de atividades, frequências de alunos, acesso a plataformas, etc. Todo esse controle e a perda de liberdade de cátedra resultam no esvaziamento de qualquer mediação pedagógica entre alunos e professores. Somado a isso, lembremos que a postura de um secretário que é acionista de uma empresa de tecnologia, que sequer tem qualquer relação com a educação, nos faz crer que o “princípio educativo” com a qual o governo Tarcísio tem assumido é a equação entre a “necessidade” de acessos em plataformas, aplicativos, através do uso contínuo de equipamentos fornecidos pela empresa que seu próprio secretário é acionista.

O mais recente descalabro foi a ação ostensiva da polícia de Tarcísio frente aos estudantes secundaristas no dia 21 de maio de 2024. A truculenta operação em represália aos estudantes que se manifestavam contrários à aprovação das escolas cívico-militares denota a concepção do que esse governo de fato é!

Nossos estudantes têm há anos sofrido com a precarização da educação. Sem contar que eles vivenciam cotidianamente o Novo Ensino Médio (NEM), que é a mais arbitrária e violenta política educacional. Não é necessário dizer que estes jovens têm sofrido duplamente a ameaça do governo Tarcísio. Pois, além de não terem em seu cotidiano escolar a garantia do direito à educação, fundamentada em um conhecimento sólido e de base científica, o que estes jovens têm presenciado é o nascimento de diversas e vazias “disciplinas”. Ir à escola para terem Projeto de Vida, Empreendedorismo, Oratória, Liderança, Aceleração para o Vestibular, é considerar que o que cabe para os filhos da classe trabalhadora é a manutenção da condição de subalternidade que historicamente estão destinados a exercer. E a resposta que estes jovens tiveram diante da INDIGNAÇÃO DA APROVAÇÃO do Projeto de Lei nº 9 / 2024, que trata do Programa Escola Cívico-Militar, foi à base de cassetete, gás de pimenta e prisão.

Ora, os eventos aqui mencionados que envolvem o posicionamento do governador do estado de São Paulo, da ação policial e do secretário Renato Feder, culminam na militarização das escolas. Afinal, a proposta é adotar o modelo cívico-militar nas escolas com baixos índices de rendimento, associadas a taxas de vulnerabilidade social. Ou seja, une-se tudo que Tarcísio pensa, acredita e quer para a juventude, sobretudo, para os filhos da classe trabalhadora.

É neste sentido que nós, estudantes da área de concentração Estado, Sociedade e Educação do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), transmitimos esta carta em repúdio aos ataques morais, psicológicos e físicos que a juventude de São Paulo tem vivido. Para nós é um dever nos posicionarmos em favor da pauta dos estudantes de nosso estado. 

Em defesa de uma educação verdadeiramente de qualidade! Contra a violência policial paulista! Contra a plataformização da educação! Contra a perda da liberdade de cátedra! FORA TARCÍSIO!

São Paulo, 24 de maio de 2024.

Assinam esta carta:

Grupo de Pesquisa Trabalho e Educação (GPTE) – FEUSP

Grupo de Pesquisa e Estudos em Direito à Educação, Economia e Política Educacional (DEEP) – FEUSP

Núcleo de Avaliação Institucional (Rede NAI) – FEUSP

Grupo Escola Pública e Democracia (GEPUD) – UNIFESP

Rede Escola Pública e Universidade (REPU)

Grupo de Pesquisa Ijoba Moyã – FEUSP

Grupo de Pesquisa Fateliku – FEUSP

Setorial Estadual de Educação do PSOL

Trabalhadores e Trabalhadoras na Luta Socialista – TLS

Discentes da disciplina Modelo econômico brasileiro e seus impactos na educação – FEUSP

Instituto Cultiva

Rede Fale

Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia

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