A Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia repudia veementemente a ofensiva do denominado “agronegócio” e de setores aliados, como a mineração, que desde 2021, por meio da Associação “De Olho no Material Escolar” (DOME), têm realizado “estudos”, articulando-se com o Congresso reacionário e exercido pressão sobre o Ministério da Educação (MEC) para promover alterações nos livros didáticos em favor do latifúndio. Trata-se de mais um episódio da guerra ideológica travada pelos setores mais retrógrados do país contra a formação científica e crítica nas escolas — e que deve ser rechaçado com firmeza.
Segundo a DOME, os materiais didáticos apresentariam uma visão “negativa” do agronegócio, por abordarem temas como devastação ambiental, trabalho escravo, grilagem e outras denúncias históricas. A iniciativa se apoia em um levantamento da Fundação Instituto de Administração (FIA), instituição privada vinculada a professores da FEA-USP, que analisou 94 livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). De acordo com o relatório, haveria 746 menções negativas e 472 positivas ao agro, além da suposta ausência de “rigor científico” em grande parte das referências. Mas será mesmo que esse lobby busca ciência e educação de qualidade — ou apenas impor sua narrativa para legitimar seu poder?
A verdade é que a revisão das menções ao latifúndio nos livros didáticos representa uma perigosa ingerência de um dos setores mais poderosos da economia nacional sobre a formação das futuras gerações. O agronegócio — mera roupagem moderna do velho latifúndio — pretende substituir a história e os fatos por uma apologia travestida de modernidade. Sob o verniz de um “rigor científico” enviesado, tenta-se difundir a ideia de progresso e importância econômica do setor, ao mesmo tempo em que se ocultam seus vínculos com a perpetuação do atraso social, a negação histórica de direitos fundamentais e os profundos custos socioambientais impostos ao país.
Como ignorar os crimes da mineração, como os desastres da Vale em Mariana (2015) e Brumadinho (2019)? Ou os conflitos no campo, que em 2024 chegaram a 2.185 ocorrências, o segundo maior número desde 1985, segundo a Comissão Pastoral da Terra? E quanto ao trabalho escravo, com mais de 3 mil trabalhadores resgatados apenas em 2023, em plantações de café e cana-de-açúcar? Vejam os dados científicos e incontestáveis da verdadeira face do “agro é pop-tech-tudo” que esses senhores querem esconder!
A narrativa edulcorada que se busca impor nos livros serve justamente para ocultar essa realidade crua. A mesma lógica que concentra terra e riqueza continua a massacrar povos indígenas, quilombolas e camponeses. Esse modelo subordina o território nacional à exportação de commodities de baixo valor agregado, estimula a desindustrialização, reforça a dependência científica e tecnológica e condena milhões à fome. Enquanto isso, produz-se em larga escala para alimentar o mercado externo, enquanto cresce a insegurança alimentar dentro das casas de nosso povo.
Não por acaso, essa ofensiva educacional caminha junto à defesa do Marco Temporal, que nega a história de resistência do povo indígena e o seu legítimo direito à terra na luta contra a expulsão e genocídio. A estratégia é clara: transferir para a sala de aula a mesma máquina de propaganda já presente nos monopólios da comunicação, nas canções do “agronejo” e nas novelas e filmes que enaltecem uma falsa modernização. Ao impor unilateralmente a forma de representar o campo, buscam apagar conflitos históricos, silenciar resistências e consolidar um projeto de país moldado aos interesses desse núcleo de poder.
Os números do orçamento escancaram a opção do Estado brasileiro: enquanto o Plano Safra 2025/2026 destina R$ 594 bilhões ao agronegócio, a educação pública segue subfinanciada, com apenas R$ 226 bilhões previstos para 2025 — muito distante da meta de 10% do PIB estabelecida pelo Plano Nacional de Educação. Privilegia-se um setor já sustentado por isenções fiscais e crédito farto, enquanto se desmonta sistematicamente o ensino superior e a pesquisa crítica, tratados como obstáculos a esse capital parasitário.
É imperativo defender a autonomia da educação pública contra essa ingerência reacionária. A escola deve ser espaço de deciframento da realidade, não de reprodução de slogans empresariais. É urgente desmascarar a retórica sedutora da “modernidade produtiva”, que nada mais é do que a tentativa de eternizar a violência estrutural que há séculos marca o campo brasileiro com desigualdade, concentração de riqueza e poder.
Nesse contexto, a defesa intransigente de uma pedagogia crítica e emancipatória é inseparável da luta por um projeto de nação que democratize o acesso à terra, rompendo com a concentração fundiária na mão de um punhado de parasitas da nação. Como denunciado pela Oxfam (2019), míseros 1% de latifundiários controlam metade das terras do país, boa parte das produções são monoculturas e produção pecuária para a exportação, enquanto que 70% do que é consumido internamente por milhares de brasileiros advém da produção camponesa que detém poucas terras.
Trata-se deslocar o eixo do desenvolvimento do capital agroexportador, herdeiro direto da estrutura latifundiária, para colocá-lo nas mãos dos sujeitos históricos que de fato constroem o país: os camponeses, as comunidades indígenas e quilombolas. Como consequência de democratizar o acesso à terra, é preciso ampliar direitos democráticos e edificar as bases de uma nação intelectual e tecnologicamente autônoma, capaz de romper, de vez, com o lastro semicolonial que o agronegócio insiste em apagar da memória e dos livros de história.