Reproduzimos matéria do Jornal A Nova Democracia.
O Comitê de Apoio ao AND de Porto Alegre entrevistou, no dia 27 de agosto, os estudantes universitários Dano, Pedro, João Lucas e Maicon que compõem o coletivo UFRGS Favela, que se propõe em reunir os estudantes de periferia da universidade para fortalecer sua voz por meio da arte popular e da organização política.
À seguir, publicamos uma parte da entrevista:
Apresentações
João Lucas: Desde cedo eu era um moleque, assim, sem perspectiva pro futuro, um moleque meio revoltado, então eu botei essa raiva ai pra fazer a mudança pros menor, porque essa raiva que a gente tem do sistema a gente tem que usar pra poder mudar, e hoje eu vejo que atravessa o coletivo que a gente faz parte… a gente conseguiu se conectar com gente semelhante, que tem uma trajetória semelhante, cada caminhada é distinta mas o corre acaba sendo semelhante, cada um sua dificuldade distinta mas a gente acaba construindo pelo próximo.
Pedro: Meu principal meio de passar uma visão, de denunciar, passar a revolta, de luta, é pela música… tem que fazer, assim, que denuncie, que pregue mesmo, na cara, porque se ninguém quer saber da verdade nós tamo aqui pra falar.
Maicon: Pro cara falar do que a gente faz é melhor falar do que não faz né, não tamo preso, nós não é estatística do estado negativa, nós não tamo respondendo processo, isso é importante esclarecer antes mesmo de eu me apresentar. Sou o Maicon, tenho 38 anos, sou morador da periferia de Porto Alegre, o rap para mim me salvou, o rap eu tenho como um pai, o pai que eu não tive é o rap.

Sobre a Organização Política
Maicon: O que me fez me posicionar politicamente foi o Manual do Guerrilheiro Urbano… Eu e mais dois truta pegam o dinheiro do nosso bolso, de trabalhar na obra e fizemo igual a o que tu faz com o jornal, imprimimos e distribuímos lá na vila, porque os guri gostavam de arma e nós dizia nós também gostamos, mas a gente quer as armas para outras coisas.
João Lucas: No nosso coletivo a gente não busca dividir, a gente busca somar, multiplicar, e isso ai é muito importante, porque como eu falei cada um tem sua perspectiva cada um tem sua caminhada, um corre… mas a gente buscou não ver as diferenças mas ver as igualdade que nos faz ser o que a gente é hoje. Quando a gente tava lá no início a gente acreditava que o coletivo ia ser só nós, que ia demorar muito pra crescer, mas deu uma semana só e o coletivo cresceu muito, isso ai evidencia o que, que o cara tá numa luta muito forte, só que ta sozinho e quando vê que tem um coletivo que as pessoas estão lutando pelo próximo, pelo maior, as diferenças ficam pro lado e a gente se une para então fazer o melhor pra todo mundo.
Isso que o Maicon falou do guerrilheiro urbano, eu aprendi com o Marighella, tipo vê o corre do Marighella, ele não tinha toda a visão, eles estavam sempre em discussão, mas o que importa é o objetivo final, a conquista, sabe?
Dano: A idéia central né, é ‘há vamo formar o coletivo Favela UFRGS’, essa ideia não cai de paraquedas né, ela foi sendo maturada no dia a dia a partir das questões que o João traz muito bem mas assim a gente vem aqui individualmente, o meu corre, a tua vida particular, e esse universo aqui (da universidade) que seja público, ele nos atravessa de outra maneira, a gente vem de origens e locais que normalmente as pessoas que vem da onde a gente vem não estão aqui na universidade.
A lógica do sistema é que nós quatro e todo o nosso coletivo estarem em outro espaço, mas está dentro da universidade, fragmentado, mas se a gente se unifica enquanto bloco, isso, vamos dizer assim, gera um choque de realidade para este espaço aqui, que é branco, burguês, elitista, a academia ela está, assim, se remoendo por causa da perspectiva que a gente vai trazer para a pesquisa, para o ensino, porque quem vem de outra realidade traz junto uma outra perspectiva.
Objetivos:
João Lucas: E inclusive, assim mano, eu acho que um dos nossos principais objetivos é abrir os muros da universidade para fora, para as pessoas terem uma perspectiva distinta, mas até para mostrar para nossos conhecidos, tipo, várias vezes nas nossas comunidades, mano, bicho tem uma visão completamente distorcida de como é aqui dentro. Qualquer comunidade que tu chega lá, os menor fala ‘mano tu faz faculdade, quanto é que tu paga?’ mano, não pago nada, tu pode vir e fazer, ‘ah mas eu não sei se eu vou passar no ENEM’, mano, faz o ENEM, tenta! E quando tu começa a fazer isso mano, tu começa a virar exemplo pros menor.
Po, quando eu boto um piá de oito anos lá na casa do estudante e ele me fala ‘há, quero fazer faculdade’ e eu digo ‘por que?’ e ele me fala ‘porque eu conheci um monte de gente foda na casa do estudante’, e eu sou bem realista e falei pra ele, mano, então tu faz faculdade porque tu vai morar aqui e tu vai continuar pobre, nós não vai ficar rico mas tu tem que fazer isso pros teu piá!
Maicon: Mano, agora nós somos favelados, mas também somos sociólogos, somos biólogos, geógrafos, historiadores, advogados, e o João trouxe uma fala uma vez, acho que ele se lembra, que o sonho é eu estar na quebrada e o cara me ver e dizer ‘po, ele tá lá dentro, eu também quero estar lá dentro’.
Nós vamos fazer um estatuto, porque nós estamos cansados dessa classe média urbana falar por nós… nós estamos discutindo politica entre nós, nós estamos aprendendo a nos organizar, porque é para vários manos manos da periferia que tão no crime, que tão nas cadeias, em situação de rua, nós estamos em quatro mano aqui, mas tem várias mina também, e essa ideia de nós por nós…
Agora não vai mais ter os historiador de classe média indo pra periferia nos estudar, porque nós estamos aqui dentro, eu lembro de uma fita do Criolo que diz “Cientista social, Casas Bahia e tragédia, Gosta de favelado mais que Nutella, Quanto mais ópio você vai querer? Uns preferem morrer ao ver o preto vencer”, então é isso, agora nós estamos na assistência social, nós estamos na história, agora é nós por nós.
Dano: A iniciativa favela UFRGS é uma criança na sua primeira infância, e está nesse processo de formação, mas ela nasceu nessa família de muita resistência, de muita luta e de muito corre e essa família ela nunca abriu mão de nenhum membro de sua família. Então pode escrever aí nas páginas do jornal, levar essa mensagem que a gente tá trazendo hoje, porque essa conversa que nós tá tendo aqui é um fragmento mínimo, quase que invisível do nosso coletivo, amanhã se tu pega outros quatro ai do coletivo e vai ser outras histórias, outra ideia, mas no cerne do processo vai ter o autocuidado, a busca pelo conhecimento e a troca de saberes, nesse intuito a gente se fortalece e busca outros parceiros como o A Nova Democracia.