Carta do leitor: Falácias da terceirização e o sucateamento da Universidade Pública, o caso da UFPR

Reproduzimos a Carta do Leitor, enviada ao jornal A Nova Democracia e por ele publicada.

Publicamos aqui a carta de um leitor de Curitiba, Paraná, sobre o sucateamento das universidades públicas e a passividade de setores oportunistas e eleitoreiros para com a situação da Universidade Federal do Paraná. Esta carta não possui necessariamente a posição do Jornal A Nova Democracia.

Quando o monopólio de mídia ou políticos e empresários demagogos falam sobre terceirização, associam-na a palavras como eficiência, redução de custos e desburocratização. Qualquer democrata honesto sabe, porém, que a terceirização é uma lógica nefasta que retira seu lucro da extirpação dos direitos dos trabalhadores através de um malabarismo jurídico, substituindo a contratação direta segundo as leis trabalhistas por uma contratação entre empresas. 

Dessa maneira, uma empresa de caráter público, que segundo sua jurisdição mantém obrigações com seus empregados, pode contornar essas obrigações ao alegar que, na verdade, está contratando uma segunda empresa que, por sua vez, estaria contratando trabalhadores na relação que achar mais vantajosa. Esse é o caso de todas as Universidades Federais pelo Brasil em relação a diferentes serviços, como limpeza, segurança, manutenção, etc. Logo há uma sobra de motivos para se colocar contra a terceirização do trabalho de maneira geral e sua suposta lógica da liberdade de mercado, a mandíbula do tubarão capitalista. Porém é ainda possível descortinar por completo a falácia de sua efetividade e redução de custos, demonstrando como se trata apenas de política entreguista do Estado ao setor privado. 

No último mês, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) vem passando por muitos problemas referentes à quebra de contrato com empresas terceirizadas. No dia 13 de julho, a empresa Cozinha Gourmet abandonou da noite para o dia a gestão de todos os Restaurantes Universitários (RU’s) logo após receber a verba que seria destinada ao período conseguinte, infringindo a regulamentação sobre o aviso prévio de 90 dias antes de rescisão de contrato e, de quebra, roubou dois fogões da unidade Politécnico. A empresa, que alegou que não havia infraestrutura para continuar os trabalhos, havia ganho a licitação para tornar-se a nova responsável pelos RU’s por ter oferecido o menor preço por refeição, o qual teria sido por um pouco menos de 9 reais cada, sendo R$ 1,30 pago pelos estudantes e o resto subsidiado pela UFPR. Não importou para a licitação que a empresa já havia sido acusada por ter servido como fachada para tráfico de drogas e celulares enquanto prestava serviços de alimentação coletiva em presídios. O dono, Cleyton Amanajás, já havia sido preso pela PF em 2022 por superfaturamento de quentinhas no Instituto Penitenciário do Amapá. Apenas o preço da refeição foi levado em consideração pela licitação, mesmo que funcionários do RU alegassem que o valor era muito baixo, já que a última empresa que ganhara a licitação, cinco anos antes, estimava R$12,50 por refeição. Com o aumento da inflação, uma redução tão drástica levantou suspeitas dos trabalhadores.

Na noite do dia 13 de julho, a Universidade Federal do Paraná divulgou uma nota expondo que a empresa licitada para gerir os Restaurantes Universitários da instituição rompeu o contrato, abandonando trabalhadores sem seus pagamentos e deixando estudantes sem alimentação.

Logo, não foi surpresa para estes trabalhadores quando a empresa começou a operar com menos da metade dos funcionários, impondo uma brutal sobrecarga de trabalho, atrasando pagamentos e, finalmente, abandonando criminosamente os RU’s. A alegação da empresa sobre a falta de infraestrutura não contradiz a realidade, visto que reformas estruturais são necessárias em praticamente todos os campi e há vários problemas de segurança, e isso demonstra como a lógica da terceirização também é uma lógica de sucateamento e abandono, pois enquanto permite-se que os trabalhadores sejam terceirizados, também impõe a eles as condições mais precárias de trabalho, intimidando tentativas de manifestações pelo medo da demissão. Vale dizer também que a justificativa da Cozinha Gourmet, embora reflita a realidade, não esconde a ninguém as verdadeiras intenções da empresa: lucrar o máximo possível, alegar impossibilidade de continuar com os trabalhos e retirar-se com o maior espólio — neste caso literalmente — possível, visto que em nenhum momento anterior à fuga a empresa havia se manifestado pelas condições de trabalho dos funcionários.

O encargo de pagar os salários e vales dos trabalhadores recaiu totalmente sobre a UFPR, mas o pagamento da rescisão dos contratos ainda está em litígio judicial. Para conter o incêndio inicial, foi necessário uma extensão emergencial de contrato com uma empresa que prestava serviços de coffee break para servir refeições extraordinariamente apenas para alunos bolsistas e, posteriormente, para aqueles que se cadastrassem diariamente, com limite de vagas. Semanas depois, foi anunciado que, após várias tentativas de contrato com as empresas que haviam ficado nas colocações seguintes na licitação, uma delas finalmente aceitou. Uma das empresas que rejeitou o contrato foi, inclusive, a que já prestava serviços para a UFPR, a valor de 12,50 por refeição, logo antes da contratação da Cozinha Gourmet. Logo, conclui-se que, hoje, a UFPR paga muito mais para a operação dos RU ‘s do que havia sido previsto ao início da licitação, visto que, pela lógica da licitação, quanto mais adiante na ordem de prioridade de contrato, maior é o custo por refeição. O contrato com a nova empresa, Nutriville, é de R$15 milhões até o final do semestre. Com a Cozinha Gourmet, o valor era de R$40 milhões por dois anos, proporcionalmente R$10 milhões por semestre.

Escancara-se o mito da “eficiência” da terceirização. A dita eficiência significa apenas uma redução de custos temporária, e não um aumento da qualidade ou alcance do serviço, que recai inteiramente sobre os trabalhadores. Que eficiência é esta que dura apenas seis meses e gera uma situação de calamidade, além de uma elevação de 150% nos custos? Que redução de gastos é essa que deixa estudantes desamparados e na qual o barato sai caro? Que desburocratização é essa que retira todos os critérios de qualidade na prestação de serviço e, ainda assim, demora mais e gera mais dificuldades do que se fossem estabelecidos postos de trabalho dignos? 

Ainda assim, há quem diga que se trata de um caso isolado por mau planejamento da licitação. Não se pode negar que há, com certeza, uma série de erros que culminaram nesta situação. Porém, a repetição quase simultânea do fenômeno demonstra como o entreguismo do Estado ao setor privado, que em última instância visa a desintegração dos direitos estudantis, não é fruto de uma política mal planejada e sim um modus operandi. Poderíamos falar do fechamento repentino dos RU’s na Universidade Federal de Catalão, em Goiás, anunciado no dia 26 de julho, e de muitas outras terceirizações pelo Brasil, mas o exemplo vem, de novo, da própria UFPR, em relação aos serviços de limpeza.

No dia 24 de junho de 2025, a UFPR notificou publicamente a empresa RCA Produtos e Serviços LTDA por falta de equipamentos de proteção individual (EPI’s), deficiência na cobertura de faltas e ausência de documentação obrigatória para o contrato. Ao mesmo tempo, o Comitê local do AND tomou conhecimento da preocupação das trabalhadoras de limpeza, que confirmaram que seriam demitidas no dia 9 de agosto. Acreditando que as situações estivessem relacionadas, iniciou-se uma investigação. Porém, o problema já surge na categorização do serviço, pois embora o contrato de serviços de limpeza exibido na página da UFPR seja com a RCA, as trabalhadoras atuais são terceirizadas por outra empresa, a Fortress Serviços LTDA, e inclusive estão uniformizadas e identificadas com o logo da empresa. Porém, a Fortress não consta na lista do Departamento de Logística da UFPR como prestadora de serviços de limpeza, mas como técnicos de obras civis e outras atribuições, como auxiliar veterinário. Além disso, as trabalhadoras alegam que, desde fevereiro, quem paga seus salários é a própria UFPR, visto que, segundo elas, a Fortress teria alegado que não tem dinheiro para os pagamentos, e que o fim do contrato se daria simplesmente pela expiração de sua validade. 

A apuração da situação exata encontra muitas dificuldades tanto pelo mutismo completo da UFPR sobre a questão quanto pela informalidade caótica à qual as relações de trabalho estão submetidas. Pelo que foi possível levantar in loco, a RCA não atua na UFPR desde agosto do ano passado, e só agora estão sendo movidos processos legais contra as negligências da empresa. Neste meio tempo, a Fortress foi contratada e, em pouco tempo, também cometeu falhas severas na prestação dos serviços e deixou de pagar as trabalhadoras. Essas violações de contrato parecem existir desde a gestão anterior da Reitoria e agora explodem todas ao mesmo tempo.

O Comitê local do AND só tomou conhecimento da questão das trabalhadoras de limpeza agora por conta da aguda preocupação delas com a demissão em massa, que parece não ter nada a ver com o processo da RCA, mas apenas com a expiração do contrato com a Fortress. Porém, escavando esta história, descobre-se não apenas as irregularidades contratuais, a falta de transparência e o pagamento de salários diretamente pela UFPR, mas também a completa precarização das condições de trabalho das terceirizadas, as quais dispõe de produtos insuficientes para realizar a limpeza dos campi, fazendo com que muitos locais fiquem sujos e, em especial, os banheiros fiquem sem sabão ou papel higiênico. Além disso, mesmo sob graus negativos, a ausência de máquinas para higiene dos materiais fez com que as trabalhadoras tivessem que lavar os panos à mão e sem EPI’s, um verdadeiro atentado contra a saúde.

Mais uma vez, o que entra em cena é a falácia da terceirização. Já se sabe das suas consequências nefastas para os direitos trabalhistas, mas o que o caso da UFPR comprova é que essa falsa redução de custos não é mais que pretexto para que empresas oportunistas prestem serviços de péssima qualidade e decretem falência ou qualquer outra justificativa quando julgarem mais conveniente, mantendo o repasse de verba pública e deixando para o Universidade o prejuízo.

Destaca-se também a política de boa imagem da UFPR quando, em meio a esta situação calamitosa, aparece ao meio dia no telejornal local alegando que tudo já está resolvido com o contrato emergencial — que manteve apenas um RU funcionando e com restrições — enquanto muitos estudantes ainda estão sem direito integral a alimentação, e não divulgando as informações sobre o andamento da nova contratação, fazendo com que, até o dia 28, os estudantes não tivessem ideia de qualquer estimativa sobre data de retorno dos RU’s. Para sua comunidade interna, a Reitoria alega que estuda, sem explicar como, a reversão da terceirização de alguns serviços, e os estudantes também sabem que, sem uma organização combativa e independente, tais palavras não passam de promessas vazias, visto que o entreguismo das instituições públicas há muito se configura como modus operandi do Governo Federal para a privação dos direitos dos cidadãos.

Neste momento, o movimento estudantil combativo e independente, apesar da omissão do DCE encabeçado por PSOL e UP, muito ocupados em somar mais uma derrota no CONUNE para se ocupar da própria universidade, organiza forças na UFPR em campanha contra o fim da terceirização nas universidades e em defesa do direito de estudar e aprender.

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