Nos últimos dias, ganhou repercussão nacional o vídeo de um evento ocorrido na UFMA em que uma palestrante protagoniza uma cena de nudez durante sua fala. Não nos deteremos na cena em si, porque os debates em torno dela só tem servido concretamente para duas coisas: primeiro, para a autopromoção da tal palestrante, que aproveitou-se da publicidade para divulgar sua conta de conteúdos sexuais no Privacy (rede “social” similar ao Onlyfans, plataformas estas amplamente conhecidas como redutos de pornografia infantil; ou seja, que lucram promovendo a cultura da pedofilia); Em segundo lugar, porque toda ênfase excessiva no “escândalo” da “nudez em ambiente universitário” tem sido aproveitado pela administração superior da universidade para reduzir a democracia universitária – já muito débil -, ditando a realização de atividades nos espaços da UFMA, o que, desde já, repudiamos veementemente.
Pedagogia?
Para além de todo o ruído midiático, o que nos interessa nesse episódio, como estudantes e profissionais da Pedagogia, é jogar alguma luz sobre o tipo de concepção que baseia essa atitude. Diante de parte da fala da palestrante, isso acaba sendo para nós, obrigação.
Em um de seus artigos, a agora famosa Tertuliana Lustosa escreve que “o conhecimento está intimamente ligado ao prazer”, ou seja, que a experiência sensorial seria a nossa principal forma de conhecer o mundo. É fato que a etapa da experiência é o primeiro passo no processo de conhecimento, porém, limitar o processo a essa etapa é cair em empirismo, ou seja, negar que o conhecimento necessita de um processo reflexivo que dê um salto do conhecimento sensorial para o de formação de conceitos e teorias (ou negar que isso demande método adequado). É com base na sistematização teórica que se pode retornar à prática para que as formulações sejam verificadas, se aquilo corresponde ou não à realidade. Negar isso é assumir o processo do conhecimento como uma mera disputa de narrativas. É com base nisso que a autora, ao tentar defender os corpos como objetos pedagógicos, afirma que “a educação vai tentando nos moldar e esquece que o ser, em si, educa”, chegando à seguinte “pérola” teórica: “entender o cu como tecnologia pedagógica é propor novas formas de conhecimento.”
É equivocado pensar que um corpo, isolado do conjunto de relações sociais, possa promover o conhecimento. A educação e o conhecimento dependem essencialmente da atividade do ser na prática social, de sua apreensão progressiva dos fenômenos da natureza e da sociedade, transformando o que um dia foi sensível em abstração e aplicando- a em matéria. Assim, o ser, se isolado de suas relações sociais, não consegue produzir conhecimento.
A alegada subversão pós-moderna
Discursos como esses não são novidade no meio acadêmico e vêm sendo defendidos dia após dia pelos partidários do pós-modernismo, que consideram as “possibilidades subversivas da sexualidade” como suposta forma de questionamento das estruturas das “práticas reguladoras da identidade”. Não por acaso, há décadas, os atuais movimentos pós-modernos centram na realização de supostas “subversões sexuais” como ápice de pretensa contestação social – ao passo que o sistema os incentiva e maneja com tais “demandas culturais” e de reconhecimento, absorvendo parcialmente suas reivindicações e buscando desviar a atenção da juventude do caminho combativo, único caminho possível para resolver os problemas da sociedade, – enquanto prossegue, por outro lado, promovendo a mais intensa exploração e fomentando os mais torpes e reacionários preconceitos contra os mesmos..
Chantagem moral
Todo esse discurso anticientífico é difundido no meio universitário e nos espaços educacionais planteando uma falsa contradição entre progressismo versus conservadorismo. Falsa contradição, porque, se por um lado, é fato que o conservadorismo existe e serve à manutenção de um estado de coisas que precisa ser profundamente transformado, por outro, as ações pretensamente subversivas dos que protagonizam episódios como o da nudez de Tertuliana, estão muito longe de promover qualquer progresso social, mesmo que apenas no terreno subjetivo. São apenas manifestação de uma outra forma de obscurantismo, não raras vezes, abertamente reacionário. Ademais, mesmo para as minorias que dizem defender, não têm muito a oferecer. Caberia inclusive perguntar: de que forma tais atos contribuem concretamente para a entrada e permanência desses grupos na universidade? O que tem sido feito para barrar o Novo Ensino Médio, que configura o maior ataque ao ensino público das últimas décadas?
Ataque à educação
Tal concepção, de forma direta ou indireta, está na base dos diversos ataques que vem sendo feitos contra nossa formação acadêmica, contra nossa atuação profissional e contra o direito dos filhos do povo de estudar e aprender.
Na implementação do Novo Ensino Médio, ao tratar dos chamados Itinerários Formativos, seus defensores alegam justamente que devemos priorizar cada vez mais as vivências na formação, em detrimento das chatas matérias. Por “vivências”, leia-se o pragmatismo individualista ditado pelas classes dominantes; Por matérias “chatas”, leia-se o acúmulo de conhecimento humano, que, diga-se de passagem, seguem sendo ministradas em diversas escolas particulares para os filhos de quem pode pagar.
Negar o acúmulo do conhecimento historicamente produzido pela humanidade é, nas palavras de Dermeval Saviani, negar a “apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem” (Escola e Democracia).
Saviani criticou duramente o discurso de afrouxamento da disciplina no aprendizado, apontando-o como uma forma de rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares, aquelas que, muito frequentemente, têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Não podemos subestimar as dificuldades do processo de aprendizagem; o salto de qualidade do conhecimento sensível para o conhecimento racional requer um acúmulo de apreensão teórica para a compreensão da realidade em sua totalidade, não se propondo a ser divertido. Os filhos do povo, com todas as dificuldades que enfrentam para seguir seus estudos, mais do que ninguém sabem disso.
Em defesa do currículo científico nas escolas e universidades!
Afirmamos que o progresso que almejamos passa pela firme defesa da ciência em nossos currículos universitários e escolares. Que as falsificações pós-modernas não têm nada a oferecer nesse sentido. E exortamos colegas, professoras e demais trabalhadores e trabalhadoras da educação a rechaçarem a chantagem moral que taxa de “conservadora” qualquer reação ao relativismo que tenta desqualificar nosso curso (igualando a uma parte íntima ou não) e degradar nossa vida profissional.
Não há nada de revolucionário, inclusivo e muito menos pedagógico em ‘teorias’ como essas. Elas não passam de uma reprodução barata de todo o lixo americano que é imposto aos países subordinados pelos interesses dos EUA, disfarçados de progresso. Portanto, dizemos: tirem suas mãos da pedagogia! Vocês não nos enganam, os estudantes de pedagogia já estão forjados na luta pela defesa da permanência do ensino público, lutando contra esses mesmos discursos que buscam esvaziar o conteúdo científico destinado ao povo.
Que existem problemas no currículo e uma grande dificuldade de acesso das camadas mais pobres e oprimidas às escolas e universidades, isso é evidente. Por isso, a ExNEPe concentra sua atuação na luta diária pela defesa da ciência e das instituições públicas de ensino. Tendo como tática a greve de ocupação, impulsiona os estudantes a se mobilizarem contra o Novo Ensino Médio e as recentes reformas curriculares, contra os sucessivos cortes de verbas na educação e a lutarem pela ampliação dos auxílios estudantis e das bolsas de pesquisa, de forma a incentivar a produção de conhecimento que sirva ao povo!
Pelo currículo científico nas escolas e universidades!
Abaixo o “novo” Ensino Médio! Pelo direito de ensinar e aprender!
Rumo ao XII Encontro Maranhense de Estudantes de Pedagogia!
Executiva Maranhense dos Estudantes de Pedagogia,
24 de outubro, São Luís, MA